domingo, 15 de junho de 2008

Liberté? Egalité? Fraternité?

Sexta feira começou normal. A única diferença é que o Felipe foi pra Marseille, resolver uns pepinos da passagem dele e o calor infernal que estava fazendo. Pra mim, a rotina foi idêntica a todos os dias: acordar, arrumar, pegar o tram, laboratório, tram e de novo casa.
N

Quando estava no tram, um telefonema do Felipe mudou completamente o que seria um dia totalmente normal: nosso ap tinha sido assaltado. Tudo tinha sido revirado e o computador do Felipe, minha máquina fotográfica, nossos 2 celulares do Brasil, um relógio dele e uma mala tinham sido levados. A porta não tinha sinal de arrombamento. Uma janela tem grade e a outra dá prum vão do meio do prédio e o apartamento é no 4o andar. Como eles entraram, não tenho nm idéia. E, como assim? A gente não tá na França, Europa, país desenvolvido e tal? E a gente não é de um país pobre, não somos estudantes que sobrevivem como podem em um apartamento-cubo de 30 m2?

O tram nunca demorou tanto na vida! E durante todo o trajeto minha cabeça tentava em vão entender a lógica do que tinha acontecido e decifrar o quê que eu estava sentindo naquele momento. Quando finalmente cheguei, o Felipe já estava me esperando no ponto e seguimos direto pra polícia.

A polícia fez o que tinha que fazer, do jeito que é feito em todos os lugares do mundo: eles cumprem seu trabalho, com cara de mau-pagos e sem nenhuma intenção de consolar o desespero dos outros que chegam lá ou de tornar o serviço mais eficiente. Afinal de contas, é isso que eles fazem o dia inteiro, e não deve ser nenhuma novidade pra eles. Claro que ficamos enrolados na burocracia: antes de fazer a ocorrência é preciso uma lista detalhada de tudo que foi roubado, com número de série e tudo. Depois de uma hora pra fazer a lista e mais uma de espera fomos atendidos, por um policial com o mesmo ar blasé, que não chega a ser sem educação, mas tbm não chega a ser agradável. Ele fez a ocorrência e depois aconselhou a ligar para a perícia ir lá no apartamento tirar as impressões e tudo mais. "Mas eles devem ir só amanhã de manhã, pq afinal de contas os policiais tbm merecem descansar e já são 19:30, não é mesmo?", acrescentou o blasé, com uma risadinha. Então até o dia seguinte não deveríamos mexer em nada. O quarto estava uma zona, fomos dormir no sofá.

O sentimento que esse fato provocou em mim foi uma coisa muito confusa. No Brasil, eu fui assaltada uma vez, por um pirralhinho de 8 anos, que levou a minha carteira que não tinha nenhum centavo, só documentos. E quando acontece uma coisa dessas no Brasil, a nossa raiva é bem canalizada: ou pro governo, corrupto e incompetente, que deixa que a miséria se alastre e as coisas cheguem nesse ponto; ou pro próprio assaltante, safado, pobre e ignorante e sem salvação, que deveriam ser todos queimados em uma fogueira em praça pública, segundo os mais exaltados. Seja de um lado ou de outro, mais esquerda ou mais direita, a gente sabe bem a quem culpar.

Mas e aqui? A culpa vai pra quem? Tive um momento de "porque eu, Senhor?", "porque que esse povo não foi roubar quem tem dinheiro mesmo, os franceses!" mas, coitado, Deus não tem nada com isso, porque afinal de contas todos nós temos livre arbítrio pra fazer o que bem entendemos. A França é um país desenvolvido e Montpellier é uma cidade relativamente pequena e pacata. Fazer como a polícia e balançar a cabeça ao ver qualquer árabe que fala alto pela rua, ou como o proprietário do ap, que ao saber o que tinha acontecido já foi logo falando: "esses romenos, desde que começaram a vir pra cá nós não tivemos mais paz", me parece muito errado. Se a culpa é dos imigrantes, a culpa é nossa, que tbm viemos pra cá em busca de uma vida melhor, um estudo de melhos qualidade, mesmo que tenhamos a intenção de voltar pro Brasil.

Enfim, a conclusão que eu chego é que chegou o grande dia em que todos seremos iguais, mas o nivelamento foi por baixo. O sinais estão todos lá. Cada dia vejo mais mendigos na rua aqui, o jornal traz mais notícias de violência, a inflação cresce a cada dia. Segundo o perito que veio aqui avaliar, ele tem em média 15 casos como esse por dia. Em qualquer lugar do mundo que a gente vá, a gente está correndo os mesmo riscos e somos vitímas do mundo doido que a gente mesmo cria a cada dia. Do mesmo jeito que eu passo em frente ás vitrines e sofro por tudo aquilo que eu não posso ter, a pessoa que roubou aqui tbm deve sofrer. Ele deu uma passo além, enquanto a minha boa educação me impede de sair por aí fazendo a mesma coisa. Mas será que se minha situação fosse um pouco pior e a vida tivesse me maltratado um pouco mais eu não seria capaz de fazer a mesma coisa?

No final, o ponto de interrogação gigante continua em cima da minha cabeça e a minha cara continua gritando perplexidade. O jeito é continuar a vida, trocar a fechadura da porta, vigiar bem a bolsa na hora de sair na rua, tentar manter o bom senso, e continuar acreditando que um dia a verdadeira igualdade, liberdade e fraternidade sejam possíveis...

3 comentários:

Julia Mesquita disse...

clara!

eu já expressei minha indignação, mas vou deixar meu registro aqui!

PQP!!!

Ser assaltado é muito ruim, muito violento, especialmente dessa forma, com as pessoas entrando na sua casa, onde teoricamente é um lugar seguro.

E é lógico que ninguém merece ser assaltado, não desejo nem pro meu pior inimigo e nem pro Luciano Huck! rs! Mas ir pra um país supostamente desenvolvido e mais igualitário e ser assaltado é o cúmulo do contarsenso! e é paia demais diga-se de passagem!

Concordo com isso que você falou que na verdade essas coisas ajudam a gente a desconstruir a lógica de que eles estão mais evoluídos e nós atrasados. é tudo muito misturado,né?

A gente tem que ter o direito de andar na rua sem se sentir coagido ou amendrontado e isso já é uma super liberdade né?!

A vantagem de estar ai é que todos esses equipamentos eletrônicos são mais baratos, né? [hoje eu to muito mister brightside!]

beijocas baby!

Anônimo disse...

clózinha!
muuuuito chato isso tudo!!! a gente sai do brasil para ser assaltado na frança é, no mínimo, um contrasenso. malacos franceses, romenos, chineses, não importa. o negócio é que o mundo já não é mais seguro para ninguém... triste isso, não?
mas, já observando o próximo post, a vida continua. vão os anéis ficam os dedos.
amo vcs!
bjo bjo

Miró disse...

Clarinha...
que super chato isso! É muita injustiça que tudo isso tenha acontecido. Ser assaltado é uma droga, ainda mais aí que tá tão distante... Não importa a nacionalidade de quem roubou e acho que é muito facil culpar alguém de outra nacionalidade também, fica parecendo uma forma de passar o problema pra frente. Como se não fosse problema dos franceses. Mas, a vida continua e agora é seguir em frente, porque o tempo passa e enxagua tudo!
Quem sabe não vai algum amigo (a) seu praí e te leva celulares do Brasil e uma maquina fotografica, hein?
Bjos e bola pra cima,